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domingo, 3 de março de 2019

REDAÇÃO NOTA 1.000 DO ENEM


“Manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet”
Por Lucas Felpi
No livro 1984 de George Orwell, é retratado um futuro distópico em que um Estado totalitário controla e manipula toda forma de registro histórico e contemporâneo, a fim de moldar a opinião pública a favor dos governantes. Nesse sentido, a narrativa foca na trajetória de Winston, um funcionário do contraditório Ministério da Verdade que diariamente analisa e altera notícias e conteúdos midiáticos para favorecer a imagem do Partido e formar a população através [HE1] de tal ótica. Fora da ficção, é fato que a realidade apresentada por Orwell pode ser relacionada ao mundo cibernético do século XXI: gradativamente, os algoritmos e sistemas de inteligência artificial corroboram para[HE2]  a restrição de informações disponíveis e para a influência comportamental do público, preso em uma grande bolha sociocultural.
Em primeiro lugar, é importante destacar que, em função das novas tecnologias, internautas são cada vez mais expostos à[HE3]  uma gama limitada de dados e conteúdos na internet, consequência do desenvolvimento de mecanismos filtradores de informações a partir do uso diário individual. De acordo com o filósofo Zygmund Bauman, vive-se atualmente um período de liberdade ilusória, já que o mundo globalizado não só possibilitou novas formas de interação com o conhecimento, mas também abriu [HE4] portas para a manipulação e alienação semelhantes vistas em “1984”. Assim, os usuários são inconscientemente analisados pelos sistemas e lhes é apresentado apenas o mais atrativo para o consumo pessoal.
Por conseguinte, presencia-se um forte poder de influência desses algoritmos no comportamento da coletividade cibernética: ao observar somente o que lhe interessa e o que foi escolhido para ele, o indivíduo tende a continuar consumindo as mesmas coisas e fechar os olhos para a diversidade de opções disponíveis. Em um episódio da série televisiva Black Mirror, por exemplo, um aplicativo pareava pessoas para relacionamentos com base em estatísticas e restringia as possibilidades para apenas as que a máquina indicava – tornando o usuário passivo na escolha. Paralelamente, esse é o objetivo da indústria cultural para os pensadores da Escola de Frankfurt: produzir conteúdos a partir do padrão de gosto do público, para direcioná-lo, torná-lo homogêneo e, logo, facilmente atingível.
Portanto, é mister que o Estado tome providências para amenizar o quadro atual. Para a conscientização da população brasileira a respeito do problema, urge que o Ministério de Educação e Cultura (MEC) crie, por meio de verbas governamentais, campanhas publicitárias nas redes sociais que detalhem o funcionamento dos algoritmos inteligentes nessas ferramentas e advirtam os internautas do perigo da alienação, sugerindo ao interlocutor criar o hábito de buscar informações de fontes variadas e manter em mente o filtro a que ele é submetido. Somente assim, será possível combater a passividade de muitos dos que utilizam a internet no país e, ademais, estourar a bolha que, da mesma forma que o Ministério da Verdade construiu em Winston de “1984”, as novas tecnologias estão construindo nos cidadãos do século XXI.
Texto publicado na Internet, pelo autor, em razão de ter conseguido a nota 1.000, no ENEM/2018.
Texto muito bem escrito e com argumentos que vão além do desempenho costumeiro dos concludentes do Ensino Médio, apresenta 48 linhas digitadas. Com letra cursiva normal, atingiria bem mais que o dobro dessa medida.
O comando da prova definia que o texto a ser produzido deveria apresentar, no máximo, 20 linhas. O que ultrapassasse tal limite seria desconsiderado, o que mutilaria o resultado final, acarretando, por conseguinte, defeito estrutural grave e a consequente perda e pontos.
Como justificar, então, os 1.000 pontos atribuídos?
Talvez o professor(a) corretor(a) tenha se apaixonado pelo texto e atribuiu uma nota desligada dos padrões definidos pelo Edital do Concurso;
Talvez a prova não tenha sido corrigida e a nota foi dada pelo número de inscrição;
Talvez haja alguma norma de correção desconhecida do público em geral...
Dezenas de hipóteses podem ser levantadas para definir-se o que houve realmente...
Uma correção dos aspectos básicos da produção textual, feita apenas nos dois parágrafos iniciais, revela alguns equívocos também básicos.
O advérbio “através” tem o significado ligado à ideia de “transposição”, ou seja, ir além de um corpo ou lugar, atravessar um obstáculo. No texto, o autor o usou com o sentido de “meio” ou “instrumento”, o que configura erro de significação vocabular ou de inadequação da escolha do vocabulário; o verbo “corroborar” é transitivo direto e, se usado pronominalmente, rege a preposição “com”; não se usa a crase antes de palavra de sentido indefinido; no trecho destacado no segundo parágrafo, ocorre o tipo de incoerência temporal pelo uso inadequado e incoerente de tempos verbais diversos.
A nota 1.000, portanto, segundo o meu entendimento, não se justifica.

 [HE1]uso inadequado.
 [HE2]regência equivocada
 [HE3]crase inadequada.
 [HE4]Problema com a coerência temporal.